sábado, 14 de janeiro de 2012

Vida e morte do Colecionador de Sorrisos

No fim, quer você goste ou não:
O colecionador de sorrisos
Morreu triste

O barco de papel é bonito. Boia nas águas de um rio que desagua no mar e não sabe nada sobre o mundo. É todo mal-feito, mal-dobrado, e sua base molhada não promete sustentá-lo por muito tempo. Navega misteriosamente de um lado para o outro enquanto uma criança o observa. A criança - menina magra dos cabelos compridos - pega um pedaço de papel que já foi árvore e faz outro barco, porque sabe que navegar solitário é triste - e seu barquinho merece muita alegria nessa vida de papel. A criança vê um barco alcançando o outro, percebe, de súbito, que está na hora de deixá-los seguir seus caminhos e vai embora, sorrindo.


Naquele exato momento
Enquanto a tal menina dos cabelos longos sorria
Um homem a observava
E guardava seu sorriso na coleção de sorrisos
Que existia no próprio imaginário


Um gatinho sempre é um bom presente. Dentro de uma caixa cheia de furinhos, estampada com balões de aniversário e enrolada num laço de fita vermelho bem bonito, um felino vira-lata mia baixinho. A bebê completa um ano hoje e sua mamãe quer dar à ela um presente para amar e preservar por toda a vida, até o momento da súbita visita da Morte. Há um bolo de aniversário e uns brigadeiros suculentos na mesa do parabéns e os pais da bebê se beijam ,felizes e orgulhosos de sua pequena princesa. O primeiro aniversário é sempre especial. “Que possamos passar todos os outros ao lado de nossa filha amada”, sussurra o papai. Então a bebê percebe que há uma caixa maior e mais bonita do que todas as outras, e quando desata o nó desajeitadamente, vê um pequeno gatinho tricolor. Ela sorri. Seus pais sorriem. E gato só olha, sem nada compreender.


Naquele exato momento
Enquanto a família comemorava
Brincando, dando “boas-vindas” ao gatinho
Um homem observava atrás dos balões festivos
E guardava os sorrisos deles em sua coleção


A mulher dos cabelos ruivos aguarda, pacientemente, no sofá. O amor de sua vida pode chegar a qualquer momento e ela está pronta para se entregar. Não se importa mais com os olhares alheios ou com as meias palavras tristes que os outros despejarão sobre ela, pois sente a sede das carícias, a urgência de sua paixão, e somente isso tem valor em sua vida. Lembra-se dos traços, dos lábios e até do cheiro da pele daquela pra quem dedica tanta beleza sentimental. Encara o relógio como se a força do pensamento movesse o tempo, e tenta fechar os olhos para entrar num estado mais calmo, quem sabe noutro plano onde seus batimentos cardíacos sejam capazes de voltarem ao normal. Mas não fecha. Apenas ouve o som da maçaneta girando e levanta para ver quem está chegando. É ela. É a mulher de sua vida, sua alma-gêmea, sua razão. Sente um desejo enorme de beijá-la, senti-la, tê-la, mas permanece parada, olhando, absorvendo. Uma sorri. A outra, também…


Naquele exato momento
Um homem, Colecionador de Sorrisos
Sabia dos sorrisos das amantes
Espiava por debaixo da porta
E guardava-os consigo


A fuga é o maior sonho do passarinho. Ele pia alto, pede socorro e grita no meio do silêncio matinal enquanto todos ouvem, apreciam, acham seu que seu canto é uma genuína boniteza. Ele implora porque quer ser um passarinho mas ninguém deixa, ninguém respeita ou o acode. Vê as gaivotas lá no céu, voando pra cima e pra baixo, se escondendo atrás das nuvens, atrás das árvores, e imagina, por um momento, o sabor da liberdade, a sensação de poder ultrapassar as grades enferrujadas que o cercam. Desata em lágrimas, tenta se afogar nas mesmas mas não consegue, porque ainda guarda esperanças. O passarinho é forte, sabido, crente no Destino e na Justiça do mundo. E sua fé é tão poderosa, sua persistência tão infinita, que num dia de solstício o homem que o prende se distrai e a portinhola se abre por um momento e… Voa. O passarinho voa. A fuga é o maior triunfo do passarinho. Ele sorri.



Em abril, 1987
Um homem observa um passarinho sorridente
Então chora
Ele é o Colecionador de Sorrisos
E não sabe ser feliz
Não sabe porque não consegue
Não consegue porque não tenta
Não tenta por que acha mais fácil viver da felicidade dos outros
do que correr atraz da sua própria

( Autor Desconhecido)  

Nenhum comentário:

Postar um comentário